Senhor e Salvador

Author: Marcos Moraes /

"Todos vós sois um em Cristo Jesus"

Author: Marcos Moraes /


William Wilberforce


No século 18, a Inglaterra detinha o monopólio do comércio de escravos negros. Os meios de transporte eram os mais cruéis imagináveis. Boa parte da população inglesa tirava proveito desse comércio, e o povo, de maneira geral, aceitava a escravidão. Havia aqueles que enriqueciam e, por isso, defendiam com veemência o escravagismo. Mas Deus graciosamente ergueu uma geração de políticos cristãos para lutar contra o que William Carey chamou de "maldito comércio de escravos".


Preciosa graça


É surpreendente que nenhum grande reformador da história ocidental seja tão pouco conhecido como William Wilberforce. Ele nasceu numa família nobre da Inglaterra, na cidade portuária de Hull, em Yorkshire, em 24 de agosto de 1759. Naquela época, como hoje, a aristocracia vivia em meio a contradições: nela se encontravam alguns dos grandes benfeitores da nação e alguns de seus maiores corruptores. Wilberforce era fruto dessas ambigüidades.

Após estudar em uma escola em Pocklington, foi aceito em 1776 no St. John's College, na Universidade de Cambridge, onde decidiu dedicar-se à carreira política, tendo sido eleito representante de seu povoado aos 21 anos de idade. Além de repartir o dinheiro que possuía, mandou fazer um grande churrasco para todo o vilarejo, o que lhe valeu um bom número de votantes. Aos 24 anos, já era um político famoso por sua eloqüência e acabou por ser eleito representante de Yorkshire, o maior e mais importante condado da Inglaterra, chegando a Londres cheio de popularidade.

Em 1784, ainda aos 24 anos de idade, partiu para uma viagem a Nice, na França, que traria grande transformação em seu caráter. Levou consigo a mãe, Elizabeth, a irmã Sally, uma amiga dela e Isaac Milner, seu antigo professor primário, e que veio a se tornar presidente do Queen's College, na Universidade de Cambridge. Na bagagem de Milner, Wilberforce viu uma cópia do livro de Philip Doddridge - mais conhecido por ter escrito o famoso hino "Oh! Happy Day" [Oh! Dia Feliz!] -, The Rise and Progress of Religion in the Soul [O começo e o progresso da religião na alma]. Ele perguntou para seu amigo o que era aquilo e recebeu a resposta: "Um dos melhores livros já escritos". Os dois concordaram em lê-lo juntos na jornada.

A leitura desse livro e das Escrituras, acompanhada de conversas com Milner, levaram o jovem político à conversão. Ele declarou em seu diário, em fins de outubro daquele ano:

Assim que me compenetrei com seriedade, a profunda culpa e tenebrosa ingratidão de minha vida pregressa vieram sobre mim com toda sua força, condenei-me por ter perdido tempo precioso, oportunidades e talentos [...]. Não foi tanto o temor da punição que me afetou, mas um senso de minha grande pecaminosidade por ter negligenciado por tanto tempo as misericórdias indescritíveis de meu Deus e Senhor. Eu me encho de tristeza. Duvido que algum ser humano tenha sofrido tanto quanto eu sofri naqueles meses.

Wilberforce começou um programa que durou toda sua vida, de separar os domingos e um intervalo a cada manhã para se dedicar à oração e às leituras espirituais.


Uma longa e dura luta


Já de volta a Londres, a vida de Wilberforce tomou novos rumos. Ele considerou suas opções, inclusive o ministério cristão, mas foi convencido por John Newton que Deus o queria permanecendo na política, em vez de entrar para o ministério. "Espera e crê que o Senhor te levantou para o bem da nação", escreveu Newton.

Depois de muito pensar e orar, Wilberforce concluiu que Newton estava certo. Deus o chamara para defender a liberdade dos oprimidos como parlamentar. "Minha caminhada é de vida pública. Meu negócio está no mundo, e é necessário que eu me misture nas assembléias dos homens ou deixe o cargo que a Providência parece ter-me imposto", escreveu em seu diário, em 1788.

Outro que o influenciou fortemente foi JohnWesley. Newton e Wesley tinham, além de uma fé vibrante no evangelho, uma forte convicção de que não havia maior pecado pesando sobre as costas do Império Britânico do que o terrível e abominável tráfico de escravos, que Wesley batizara de "execrável vileza".

Bruce Shelley diz que os ingleses entraram nesse comércio em 1562, quando Sir John Hawkins pegou uma carga de escravos em Serra Leoa e a vendeu em São Domingos. Então, depois que a monarquia foi restaurada em 1660, o rei Carlos II deu uma concessão especial para uma companhia que levava 3 mil escravos por ano para as Índias Orientais. A partir daí, o comércio cresceu e atingiu enormes proporções. Em 1770, os navios ingleses transportavam mais da metade dos cem mil escravos vindos da África Oriental. Muitos ingleses consideravam o tráfico de escravos inseparavelmente ligado ao comércio e à segurança nacional da Grã-Bretanha.

John Wesley escreveu sua última carta a Wilberforce, em 24 de fevereiro de 1791, seis dias antes de morrer, encorajando-o a executar o plano da abolição da escravatura. Um parágrafo dessa carta diz o seguinte: "Oh! Não vos desanimeis de fazer o bem. Ide avante, em nome de Deus, e na força do seu poder, até que desapareça a escravidão americana, a mais vil que o sol já iluminou".

Foi por conta dessas influências que Wilberforce decidiu dedicar toda a força de sua juventude e todo o talento que tinha a um único objetivo que consumiria toda sua vida: a abolição do tráfico negreiro. Algum tempo depois, num domingo, 28 de outubro de 1787, ele escreveu em seu diário as palavras que se tornaram famosas: "O Deus todo-poderoso tem colocado sobre mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio escravocrata e a reforma dos costumes.

Uma fonte de estímulo nessa luta foi sua participação ativa no chamado Grupo de Clapham (Clapham Sect), constituído de pessoas ricas cujas residências ficavam em Clapham, um elegante bairro localizado a 8 quilômetros de Londres, que apoiava muitos líderes leigos na busca de uma reforma social, liderados por um humilde ministro anglicano, John Venn. Como destacam Clouse, Pierard & Yamauchi, o Grupo de Clapham foi, de longe, a mais importante expressão anglicana na esfera da ação social. Esse grupo de leigos geralmente se reunia para estudar a Bíblia, orar e dialogar na biblioteca oval de Henry Thornton, um rico banqueiro que todo ano doava grande parte de seus rendimentos para a filantropia.

Outros que participavam do grupo eram: Charles Grant, presidente da Companhia das Índias Orientais; James Stephens, cujo filho, chefe do Departamento Colonial, auxiliou bastante os missionários nas colônias; John Shore, Lorde Teignmouth, governador-geral da Índia e primeiro presidente da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira; Zachary Macauley, editor do Observador Cristão; Thomas Clarkson, famoso líder abolicionista; a educadora Hannah More, além de outros líderes evangélicos. Dentre várias atividades, eles ajudaram a fundar a colônia de Serra Leoa, onde escravos libertos poderiam viver livres.


Clouse, Pierard & Yamauchi dizem:


Este grupo uniu-se numa intimidade e solidariedade incríveis, quase como uma grande família. Eles se visitavam e moravam um na casa do outro, tanto em Clapham, como na própria Londres e no campo. Ficaram conhecidos como 'os Santos' por causa de seu fervor religioso e desejo de estabelecer a retidão no país. Vários comentaristas observaram que eles planejavam e trabalhavam com um comitê que estava sempre reunido em 'conselhos de gabinete' em suas residências pata discutir o que precisava ser consertado e estratégias que poderiam usar para alcançar seus objetivos.

Neste grupo, discutiam os erros e as injustiças de seu país, e as batalhas que teriam de travar para estabelecer a justiça.

Os membros do Grupo de Clapham demonstraram a diferença que um grupo de cristãos pode fazer. Eles elaboraram 12 marcas que nortearam seu esforço pela reforma social na Inglaterra do século 19:


1. Estabeleça objetivos claros e específicos.

2. Pesquise cuidadosamente para produzir uma proposta realista e irrefutável.

3. Construa uma comunidade comprometida que apóie uns aos outros. A batalha não pode ser vencida sozinha.

4. Não aceite retiradas como uma derrota final.

5. Comprometa-se a lutar de forma contínua, mesmo que a luta demore décadas.

6. Mantenha o foco nas questões; não permita que os ataques malignos de oponentes o distraiam ou provoquem resposta similar.

7. Demonstre empatia com a posição do oponente, de forma que diálogo significativo aconteça.

8. Aceite ganhos parciais quando tudo o que é desejado não puder ser obtido de uma só vez.

9. Cultive e apóie suas bases populares quando outros, que estiverem no poder, se opuserem a seus projetos.

10. Transcenda à mentalidade simplista e direcione-se às questões maiores, principalmente as que envolvem questões éticas!

11. Trabalhe através de canais reconhecidos, sem lançar mão de táticas sujas ou violentas.

12. Prossiga com senso de missão e convicção de que Deus o guiará providencialmente se estiver verdadeiramente ao seu serviço.


Em 1797, Wilberforce publicou um livro intitulado Practical View of Real Christianity [Panorama prático do cristianismo verdadeiro], amplamente lido e ainda publicado, que evidenciava o interesse evangélico na redenção como a única força regeneradora, na justificação pela graça por meio da fé e na leitura da Escritura em dependência ao Espírito Santo, ou seja, numa piedade prática que redundasse em serviço relevante para a sociedade. Nessa obra, ele disse sobre o cristianismo verdadeiro:

Eu compreendo que a marca prática e essencial dos verdadeiros cristãos é a seguinte: que os pecadores arrependidos, confiando na promessa de serem aceitos [por Deus], mediante o Redentor, têm renunciado e abjurado todos os outros senhores, e têm de maneira integral se devotado a Deus. Agora, seu propósito determinado é se dedicar integralmente ao justo serviço do legítimo Soberano. Eles não mais pertencem a si mesmos: todas as faculdades físicas e mentais, sua herança, sua essência, sua autoridade, seu tempo, sua influência, tudo o que desconsideram como sendo seus [...] devem ser consagrados em honra a Deus e empregados a seu serviço.


E sobre o poder e o direito:


Eu devo confessar [...] que minhas próprias [e sólidas] esperanças pelo bem-estar do meu país não depende de seus navios e exércitos, nem da sabedoria de seus governantes, ou ainda do espírito de seu povo, mas sim da [capacidade de] persuasão de todos aqueles que amam e obedecem ao evangelho de Cristo.


No tempo de Deus


Wilberforce e seus amigos do Grupo de Clapham também ajudaram a fundar escolas cristãs para os pobres, a reformar as prisões, a combater a pornografia, a realizar missões cristãs no estrangeiro e a batalhar pela liberdade religiosa. Mas Wilberforce acabou por se tornar mais conhecido por seu compromisso incansável pela abolição de escravidão e do comércio de escravos.

Sua luta começou por volta de 1787 - ele já era parlamentar desde 1780. Haviam pedido a Wilberforce que propusesse a abolição do comércio de escravos, embora quase todos os ingleses achassem a escravidão necessária, ainda que desagradável, e que a ruína econômica certamente viria ao acabar com a escravidão. Apenas uns poucos achavam o comércio de escravos errado. A pesquisa de Wilberforce o pressionou até conclusões dolorosamente claras. "Tão enorme, tão terrível, tão irremediável aparentou a maldade desse comércio que minha mente ficou inteiramente decidida em favor da abolição", disse ele à Casa dos Comuns. "Sejam quais forem as conseqüências, deste momento em diante estou resolvido que não descansarei até efetuar sua abolição." Wilberforce falou primeiramente sobre o comércio de escravos na Casa de Câmara dos Comuns em 1788, num discurso de três horas e meia, que concluiu dizendo: "Senhor, quando nós pensamos na eternidade e em suas futuras conseqüências sobre toda conduta humana, se existe esta vida, o que esta fará a qualquer homem que contradisser as ordens de sua consciência e os princípios da justiça e da lei de Deus!". Sua luta custou-lhe dezoito anos de trabalho incansável.

Os feitos de Wilberforce foram realizados em meio a tremendos desafios. Ele era um homem de constituição fraca e com uma fé desprezada. Quanto à tarefa, enquanto a prática da escravatura era quase universalmente aceita, o comércio de escravos era tão importante para a economia do Império Britânico quanto é a indústria de armamentos para os Estados Unidos hoje. Quanto à sua oposição, incluía poderosos interesses mercantis e coloniais e personalidades como o famoso Almirante Horacio Nelson e a maior parte da família real. E quanto à sua perseverança, Wilberforce continuou incansavelmente, anos a fio, antes de alcançar seu alvo. Sempre desprezado, ele foi duas vezes assaltado e surrado. Certa vez, um amigo lhe escreveu, dizendo-lhe que, do jeito que as coisas andavam, "eu espero ouvir dizer que foste carbonizado por algum dono de fazenda das Índias Ocidentais, feito churrasco por mercadores africanos e comido por capitães da Guiné, mas não desanime - eu escreverei o seu epitáfio!"


O comércio de escravos foi finalmente abolido em 25 de março de 1806. Quando a lei foi aprovada, todo o Parlamento se pôs de pé e aplaudiu Wilberforce por vários minutos, enquanto ele, já desgastado pelos anos, chorava com o rosto entre as mãos.

Ele continuou a campanha contra a escravidão em todos os territórios britânicos, e o voto crucial da famosa Lei de Emancipação chegou quatro dias antes de sua morte, em 29 de julho de 1833.

Por conta da decisão parlamentar, poderosa como era e não querendo ser lesada em seus interesses, a Grã-Bretanha declarou ao mundo que nem ela nem ninguém mais poderiam traficar escravos. Além disso, tornou-se a guardiã dos mares. Logo, Portugal e Bélgica, as duas nações rivais, tiveram também de parar com o tráfico, por força do poderio naval inglês.

Um ano depois da morte de Wilberforce, em julho de 1834, 800 mil escravos, principalmente na Índia Ocidental britânica, foram libertos. Em pouco tempo, a maior parte dos países ocidentais aboliria a escravidão em definitivo.


Obras consultadas e sugeridas para aprofundamento do assunto:


CLOUSE, Robert; PIERARD, Richard; YAMAUCHI, Edwin. Dois reinos: a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 413-20.

GUINNESS, Os. O chamado. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 35-43. KERR NETO, Guilherme. O inglês que acabou com o tráfico negreiro.

Ultimato, n.º 245, mar./1997, p. 28.

NOIL, Mark. Momentos decisivos na história do cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 256-81.

SHAW, Mark. Lições de mestre: 10 insights para a edificação da igreja local. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 203-24.

SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo ao alcance de todos. São Paulo: Shedd, 2004, p. 407-16.

WESTPHAL, Euler. A ética social na teologia de John Wesley. Vox Scripturae, 7/2, dez./1997, p. 83-97.



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De que tipo é a sua fé em Jesus?

Author: Marcos Moraes /

Cuidar da natureza faz parte da nossa natureza

Werner Fuchs

“A gente protege o que a gente ama”, declarou recentemente o filho de Jacques Cousteau. Se alguém não cuida, é porque não ama. Ou seja, descuidar da natureza e de si mesmo é evidência não apenas de desnaturação, mas também de falta de amor à vida e a si próprio. Por exemplo, quem sorve constantemente as 4.720 substâncias contidas no cigarro, muitas delas cancerígenas, maltratando assim sua “casa corporal”, (cf. 1Co 12.22) dificilmente será consistente na defesa da “casa comum”, até porque não se importa com os fumantes passivos ao seu redor nem com a condição de semiescravidão dos fumicultores. Quem se conforma com a “dose diária inaceitável” de agrotóxicos no leite materno e no alimento em geral não se interessará em desmascarar o agronegócio como insustentável em termos ambientais (devastação), sociais (trabalho escravo) e econômicos (rendição ao sistema bancário e às multinacionais controladoras das sementes e da maléfica transgenia). Logo, a tolerância com as pequenas incoerências pessoais é uma das causas da pouca eficácia do cuidado pela natureza em nosso sistema de crescimento econômico. Pois, contraditoriamente, ninguém se opõe à preservação ambiental. Afinal, trata-se de um empreendimento ganha-ganha para todos, hoje e no futuro. Contudo, que a promovam os outros e que ela não tolha nosso modo de vida e modo de produção.

Diante do muito que está sendo feito e dos poucos avanços na preservação ambiental, Jean-Michel Cousteau acrescenta que, quando olha para uma criança, alvo do amor humano e carente de proteção, consegue vencer o desânimo e renovar o compromisso de lutar pela preservação do planeta.

Essa motivação “secular” é desenhada de duas maneiras nos textos bíblicos. A primeira, mais conhecida, é a afirmação de que devemos preservar a criação de Deus porque somos parte dela e incumbidos de seu cuidado: ser criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26) significa ser o estandarte do domínio de Deus sobre a terra, representando, anunciando e executando a vontade benfazeja dele. Ao Senhor Deus pertencem o mundo e tudo o que nele existe, inclusive seus habitantes (Sl 24.1). Além disso, a informação de que Deus considerou muito boa toda a sua criação (Gn 1.31) faz lembrar que, na concepção hebraica, “bom” é o que está ligado a Deus, ainda que seja “imperfeito”, ao passo que a concepção grega da “perfeição” do cosmos nos leva à crise diante das deficiências físicas. Qualquer ser humano, por mais falho que seja, pode ser útil na mão de Deus. Embora a criação toda esteja gemendo, e nós com ela, o Espírito de Deus geme com ela e conosco (Rm 8.22-26). Não é bom estar separado de Deus nessa empreitada de cultivar e preservar.

A segunda base, menos lembrada, do empenho em favor da preservação, não vem da teologia da criação, mas da experiência da libertação. É a única que transmite a realidade do amor, sempre nas três vias: amor de Deus ao ser humano e à criação, amor do ser humano a Deus, e amor do ser humano ao semelhante e à natureza. Trata-se da interpelação direta de Deus que intervém na história, transformando a criatura humana em sua parceira de diálogo e ação, e revestindo-a de uma dignidade inaudita (cf. Sl 8.4ss). “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te arranquei do contexto da escravidão” (Êx 20.1). É esse amor divino aos e nos humanos que estremece diante de abusos contra seres humanos indefesos como as crianças, que se compadece da frágil biodiversidade e que se deslumbra com a tenacidade da vida. Que lamenta perplexa e criticamente a mercantilização dos patrimônios universais da humanidade: “Nossa água, por dinheiro a bebemos, por preço vem a nossa lenha” (Lm 5.4). E que levanta a voz, defendendo os direitos humanos, quando escravos libertos submetem outros à corveia: edificar um templo a esse Deus libertador mediante trabalhos forçados? (cf. 1Rs 9.15).

A intensidade da experiência de Deus na história é indutora da crítica social: Quem vê apenas o problema e não o sistema, não vê o problema. E é indutora da luta em favor de soluções socioambientais dignas e consistentes: Não se resolve a questão ambiental à custa da social, nem a social à custa da ambiental. O social e o ambiental estão interligados. Quem não respeita a terra e o ser humano sobre a terra tampouco respeita o meio ambiente. Assim, desumaniza a si próprio. Portanto, cuidamos do jardim por causa de nós mesmos, de nossa coerência conosco mesmos e com nossa posição de interlocutores amados de Deus (Gn 2.15).

A resposta humana a esse amor divino é louvor e reconhecimento: Sim, “os céus são os céus do Senhor, mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens” (Sl 115.16). É também ser pró-ativo, articulando e difundindo modos de vida e de produção com tecnologias sociais e ambientais que respeitem o meio ambiente e a abundância de vida que ela nos propicia, a exemplo da agroecologia, das cisternas no semiárido, dos projetos comunitários de economia solidária. Porém, essa resposta é sobretudo defender os empobrecidos e fragilizados, em consonância com o agir de Jesus. Porque esmagar a cana quebrada e torcer o pavio que fumega não é somente desumano, mas primordialmente antidivino (cf. Is 42.3; Mt 12.20).


• Werner Fuchs é pastor da IECLB, tradutor e coordenador do projeto Mini-Usinas Comunitárias de Óleo Vegetal, da Rede Evangélica Paranaense de Assistência Social (REPAS).

Revista Ultimato - Seções - Meio Ambiente e Fé Cristã - Edição 320 - Setembro / Outubro 2009 - http//www.ultimato.com,br/




Close your eyes
Feche seus olhos

The physical can be so blind
O material pode te cegar

In my eyes
Ao meu ver

The innocent can be so wise
Um inocente pode ser tão sábio

It's not about black or white
Não se trata de preto ou branco

This is wrong or right
Isso é o certo ou o errado

Can you take a stranger
Você consegue ver um estranho

And treat him like your brother
E tratá-lo como seu irmão?

Love don't start with the eyes
Amor não começa com os olhos
Starts with the heart
Começa pelo coração!

Look deep down inside
Olhe bem lá no fundo

In all that you have a chance
aonde você tem a chance

To make a choice, to make a change
De fazer uma escolha, de fazer a diferença

So make the choice to look with the eyes of your heart
E então faça a escolha de olhar com os olhos do coração.

Close your eyes
Feche os olhos

The light of love will lead the way
A luz do amor te guiará

In the eyes of a child
Nos olhos de uma criança

We're all the same
Todos nós somos iguais

If we're all God's children
Se todos nós somos filhos de Deus

The logic is so simple
A lógica é tão simples:

The one you call stranger is really your brother
A pessoa que você chama de “estranho” é realmente seu irmão!

No I don't mean to preach
Não, eu não quero pregar

Some may say that it's unrealistic
Alguns podem dizer que é irreal

Cause none of us is perfect
Porque nenhum de nós é perfeito

But the way that I say it
Mas a maneira que eu digo

What do you just try to see with different eyes
Porque você não tenta ver com olhos diferentes ?

Could you see that what is done to you is done to me?
Você poderia ver que aquilo que é feito para você é feito para mim?

We want humanity yeah
Queremos sim a humanidade

Desmascarando os mitos relativos ao casamento (4)

"Conhecereis a verdade e, a verdade vos libertará". João 8:32


Mito no 4: O mito do “casamento carrossel” diz que você pode entrar e sair de casamentos quando estiver entediado, descontente, estressado, ou quando tiver uma oferta melhor. Hoje em dia, estamos condicionados a querer gratificação instantânea. Se não gostamos das regras, levamos a nossa bola e vamos brincar em outro parquinho. Vivemos em uma sociedade descartável, e qualquer coisa que não funcione satisfatoriamente será substituída e não consertada. Tragicamente, transferimos esta mentalidade para nossos relacionamentos e substituímos as pessoas em nossas vidas que não jogam o jogo do nosso jeito. A cada geração nos tornamos mais intolerantes, impacientes, inflexíveis e nada criativos quando se trata de casamento. O mito do casamento carrossel nos diz que não precisamos lutar para lidar com os nossos problemas matrimoniais. Basta substituir!
Mas a verdade nos revela que isso é de fato um mito. Mais de 50% dos primeiros casamentos terminam em divórcio, 65% dos segundos casamentos e mais de 70% dos terceiros casamentos também. Está claro que, no que diz respeito a casamento, quanto mais nos casamos, piores nos tornamos no assunto! Na verdade, com poucas exceções, de acordo com as estatísticas, você terá mais chances de encontrar a felicidade em seu casamento atual, com todos os seus desafios, do que em um novo casamento. O jeito de Deus é a sua melhor opção sempre! Quando Ele diz: “O que Deus uniu, não separe o homem” (Mateus 19:6), a intenção Dele é que trabalhando e crescendo em meio aos obstáculos e oportunidades do seu casamento, você se torne um parceiro melhor e termine construindo um casamento mais feliz!

Porção diária: Porção Diária: Leia 2 Reis 20:1-11, Hb 8:7-13

Palavra para hoje: 14 de Agosto de 2009.

Desmascarando os mitos relativos ao casamento (3)

“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8:32


Mito n° 3: O mito da “caixa cheia” sugere que quando nos casamos herdamos uma grande caixa cheia de coisas boas, que garantem a bênção matrimonial eterna e sem esforço. Esta caixa supostamente contém romance, realização física, generosidade e amor verdadeiro. Achamos que basta colocar a mão dentro dessa caixa e retirar o que quisermos de um suprimento inesgotável. Satisfação instantânea garantida a baixo custo! E a princípio, parece funcionar, e assim, acreditamos no mito. Até que, num certo dia de chuva, enfiamos a mão na caixa e ela volta vazia. A essa altura ficamos chocados, decepcionados, irados, desesperados e concluímos que nosso parceiro fracassou, nos enganou, ou nos abandonou. Por que outro motivo a caixa estaria vazia? A essa altura o mito lhe diz: “Está na hora de encontrar outra caixa!”, ou você pode ouvir a verdade que liberta:

a) o casamento é uma grande caixa, vazia. O seu trabalho é fazer depósitos suficientes para garantir as retiradas para um relacionamento rico. Jesus disse: “… A quantidade que você dá determina a quantidade que você recebe” (Lucas 6:38 NLT).

b) Você precisa começar perguntando: “O que eu gostaria de ter naquela caixa?” Então você deposita o suficiente para gerar aquela quantia. Veja, a caixa é só um recipiente, ela não falhou nem você tem uma caixa ruim. Você é o dono da caixa, e não vítima dela. Aceitar esta verdade liberta você para tornar seu casamento rico e recompensador, tornando-se alguém que dá e não alguém que tira!

Porção diária: Porção Diária: Leia Jr 45-48, Lc 6:37-49, Sl 109:16-31, Pv 15:23-26

Palavra para Hoje: 13 de Agosto de 2009.

Desmascarando os mitos relativos ao casamento (2)

"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" Jo 8:32


Mito n° 2: O mito da “pessoa certa” sugere que a felicidade no casamento depende, inteiramente, de se encontrar a pessoa certa. Dizem que é uma questão de sorte, que depende do cupido, do alinhamento dos planetas, da intensidade do brilho do luar e ocasionalmente até de Deus. Encontre a pessoa certa e ela fará com que a sua vida seja super feliz, romântica, empolgante, realizada, abençoada. Ela será cercada, como diz a canção, daquela “intensa magia” que fascina e mantém você sob o seu feitiço, conduzindo-o pela terra encantada do amor eterno. E nada nos parece mais convincente. Apesar dos conselhos dos amigos e da família, abrimos mão de tudo e nos viramos do avesso para manter essa magia que vicia. Quando ela termina (e ela termina) acontecem três coisas:

1) Choramos, manipulamos, chantageamos, e mais tarde culpamos, denegrimos e achamos que a pessoa envolvida foi falsa por nos trocar e fazer da nossa vida um inferno. “Esse não é o homem com quem me casei”, reclamamos. Ele pode não ser a pessoa que você esperava que ele fosse (essa pessoa não existe fora da sua imaginação), mas é a pessoa com quem você se casou e o problema não está somente nele;

2) Rotulamos a pessoa de “a pessoa errada” e, ou vamos procurar a pessoa certa, ou desistimos do sexo oposto dizendo que ele é falso, infiel e inconstante e

3) Aprendemos a verdade: não existe a pessoa certa que nos faça felizes sempre. A essa altura, estamos libertos para encontrar a felicidade tornando-nos, nós mesmos, a pessoa certa, aquela que Deus nos criou para ser, dando com generosidade, permitindo que os outros sejam seres humanos reais, limitados, mutáveis, e buscando a nossa alegria em Deus!


Porção diária
: Leia Jr 41-44, Lc 6:27-36, Sl 109:1-15, Pv 15:22

Palavra Para Hoje: 12 de Agosto de 2009

Desmascarando os mitos relativos ao casamento (1)


“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Jo 8:32


Muitos de nós estamos mal informados sobre o amor e o casamento, porque acreditamos em certos mitos. O mito do casamento perfeito é muito difundido entre nós, e é muito perigoso. Estabelecer expectativas irreais, sonhos impossíveis e fórmulas mágicas nos leva ao engano e à decepção, nos preparando para abandonarmos tudo no momento em que a nossa fantasia é confrontada pela realidade. Somente a verdade pode nos libertar para encontrarmos realização no casamento. Senão vejamos:

Mito no 1: O mito do “amor viral” insiste que o amor é algo que se pega, como se fosse um vírus; Em alguma noite mágica, quando você está no lugar certo e na hora certa, ele ataca você. Você pega o vírus e sua vida se transforma! O problema é que quando você está esgotada cuidando de três crianças, com dois empregos e dívidas para pagar, o “vírus” começa a morrer. Em meio ao redemoinho de pratos sujos, fraldas e rotina diária, algo precisa ser sacrificado. Então o romance sai do centro do palco e a realidade assume o lugar. Quando isso acontece, confundimos romance com amor verdadeiro e erroneamente pensamos que se ele foi embora precisamos ir atrás dele. A verdade é que o amor não morre porque o romance cedeu lugar à realidade. Se duas pessoas que um dia se apaixonaram estão dispostas a permanecerem juntas em meio aos desafios e às circunstâncias da vida em família, o romance pode renascer , mais forte e mais resistente do que nunca. O amor que se baseia unicamente no romance não funciona quando “na alegria” se encontra com “na tristeza”. O relacionamento que se baseia na decisão de amar “até que a morte nos separe” é o único confiável e constante. O romance nos une, enquanto, o amor nos mantém unidos!


Porção diária: Leia Ex 10-12, Mt 6:19-34, Sl 74:1-11, Pv 2:6.


Palavra Para Hoje: 11 de Agosto de 2009.

Houve um tempo em que as pessoas entendiam melhor Deus.

John Cornwell

W.B. Yeats escreveu que todas as nossas ideias sobre Deus são "lixo e purpurina", como um vestido de casamento de mau gosto que esconde a verdade que há por baixo. Karen Armstrong uma das melhores escritoras vivas sobre religião, concorda.

Mas, em seu último livro, "The Case for God" [Em Defesa de Deus, ed. Bodley Head, 376 págs., 20, R$ 62], afirma que houve um tempo em que as pessoas entendiam melhor Deus.

"O Deus moderno parece o Alto Deus da Antiguidade remota, uma teologia que foi unanimemente descartada ou radicalmente reinterpretada por ser considerada inapta", ela escreve. Em outras palavras, nossa ideia de Deus, sejamos ateus ou crentes, regrediu ao infantil.

Os maiores ofensores são aqueles que tratam Deus como um super-homem intervencionista, que resolve os problemas. O catálogo de Armstrong de culpados ineptos inclui políticos que apelam a Deus para justificar suas políticas, terroristas que o invocam para cometer atrocidades e cientistas que encaixam Deus em uma teoria física, mesmo que só para desbancá-lo.

A ciência, afirma a autora, teve uma influência profundamente equívoca em crentes e descrentes. Quando [o biólogo] Richard Dawkins ataca Deus, seu alvo é um absurdo superprojetista, necessariamente mais complexo que qualquer das complexidades da natureza. Além disso, há cientistas crentes que veem Deus como uma espécie de técnico de sintonia fina.

Na verdade, as noções modernas de Deus, diz Armstrong, são principalmente enganos de teólogos que, a partir do século XVII, tentaram explorar a ciência como um suporte da fé. Essa busca racional por Deus, diz ela, na verdade incentivou o ateísmo.

A autora também indica que a teologia baseada na ciência é notoriamente inconfiável. Quando um teólogo conjura Deus para preencher uma lacuna em nosso conhecimento, uma nova teoria pode ejetá-lo.

Deus insondável

E a ideia de Deus como uma "coisa" ou um "ser", ou um objeto no mundo que disputa a atenção com outros objetos, minou um sentido mais profundo e misterioso de Deus que se desenvolveu em todas as fés ao longo dos séculos.

Armstrong tenta isolar o que ela considera a ideia perdida crucial de Deus como o insondável e indizível. Qualquer coisa aquém de admitir a natureza inefável de Deus, insiste, leva à idolatria - adorar um deus de nossa própria criação. Por definição, não há uma maneira fácil de escrever sobre o inarrável.

Uma de suas tentativas, no centro do livro, envolve os ensinamentos do filósofo cristãoDionísio Areopagita [teólogo do século VI, assumiu como pseudônimo um nome bíblico].

"Primeiro temos de afirmar que Deus é", ela escreve. "Deus é uma rocha, Deus é uno, Deus é bom, Deus existe. Mas quando escutamos cuidadosamente a nós mesmos, caímos em silêncio, abatidos pelo peso do absurdo que há nessa conversa de Deus."

Na fase seguinte, negamos esses atributos. "Mas o "caminho da negação" é apenas tão impreciso quanto o "caminho da afirmação". Como não sabemos o que Deus é, não podemos saber o que Deus não é, e portanto devemos negar as negações...", ela diz.

A fase final, se você continuar a bordo, é um estado que os místicos chamam de "noite escura da alma", ou a nuvem do desconhecimento. É duro escrever sobre Deus, afirma. Assim como ler sobre Ele.

Amadurecimento

Mas apenas pensar em Deus não adianta; Armstrong insiste em que sentir Deus depende de oração, ritual, escritura e silêncio; é um processo, mais que uma conclusão lógica. E nenhuma fé individual tem o monopólio da iluminação.

Se as religiões conseguissem retornar à verdadeira iluminação, seríamos capazes, ela escreve, citando John Keats [1795-1821], de lidar com "incertezas, mistérios, dúvidas, sem qualquer busca irritante por fato e razão".

Quais são as perspectivas do apelo de Armstrong por uma compreensão mais iluminada? Alguns carolas começam a se voltar para uma abordagem mais criativa, menos científica e dogmática da fé.

Ela acredita que um entendimento mais maduro de Deus diminuiria o antagonismo entre ciência e religião, reduziria a violência inspirada na religião e provocaria mais compaixão.

Infelizmente, a história mostra que a maioria das tentativas de combater elementos prejudiciais dentro da religião tende a provocar reações dos extremos. Armstrong está consciente disso; mas este livro, escrito com paixão, prodigiosamente pesquisado, é uma súplica poderosa para se tentar.


Artigo Publicado na Folha de S.P dia 02 de Agosto de 2009,

Escrito por John Cornwell, autor de "Darwin's Anges"

Este artigo foi publicado no "Financial Times",

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Neopaganismo Evangélico

Artigo do professor José Arthur Giannotti, publicado na Folha de São Paulo de 02/08/2009.



Estava passeando pela TV quando dei com um culto da Igreja Mundial do Poder de Deus. Teria rapidamente mudado de canal se não tivesse acabado de ler o interessante livro de Ronaldo de Almeida, "A Igreja Universal e seus Demônios - Um Estudo Etnográfico" [ed. Terceiro Nome, 152 págs., R$ 28], que me abriu os olhos para o lado especificamente religioso dos movimentos pentecostais. Até então, via neles sobretudo superstição, ignorando o sentido transcendente dessas práticas religiosas.
No culto da TV, o pastor simplesmente anunciou que, dado o aumento das despesas da igreja, no próximo mês, o dízimo subia de 10% para 20%. Em seguida, começou a interpelar os crentes para ver quem iria doar R$ 1.000, R$ 500 e assim foi descendo até chegar a R$ 1.
Notável é que o dízimo não era pensado como doação, mas simplesmente como devolução: já que Deus neste mês dera-lhe tanto, cabia ao fiel devolver uma parte para que a igreja continuasse no seu trabalho mediador. Em suma, doar era uma questão de justiça entre o fiel e Deus.
Em vez de o salário ser considerado como retribuição ao trabalho, o é tão só como dádiva divina, troca fora do mercado, como se operasse numa sociedade sem classes. Isso marca uma diferença com os antigos movimentos protestantes, em particular o calvinismo, para os quais o trabalho é dever e a riqueza, manifestação benfazeja do bom cumprimento da norma moral.
Se o salário é dádiva, precisa ser recompensado. Não segundo a máxima franciscana "é dando que se recebe", pois não se processa como ato de amor pelo outro. No fundo vale o princípio: "Recebes porque doastes". E como esse investimento nem sempre dá bons resultados, parece-me natural que o crente mude de igreja, como nós procuramos um banco mais rentável para nossos investimentos.
O crente doa apostando na fidelidade de Deus. Os dísticos gravados nos carros, "Deus é fiel", não o confirmam? Mas Dele espera-se reciprocidade, graças à mediação da igreja, cada vez mais eficaz conforme se torna mais rica. Deus é pensado à imagem e semelhança da igreja, cujo capital lança uma ponte entre Ele e o fiador.

Anticalvinismo

Além de negar a tradicional concepção calvinista e protestante do trabalho, esse novo crente não mantém com a igreja e seus pares uma relação amorosa, não faz do amor o peso de sua existência.
Sua adesão não implica conversão, total transformação do sentido de seu ser; apenas assina um contrato integral que lhe traz paz de espírito e confiança no futuro. Em vez da conversão, mera negociação. Essa religião não parece se coadunar, então, com as necessidades de uma massa trabalhadora, cujos empregos são aleatórios e precários?
Outro momento importante do livro é a crítica da Igreja Universal ao candomblé, tomado como fonte do mal. Essa crítica não possui apenas dimensões política e econômica, assume função religiosa, pois dá sentido ao pecado praticado pelo crente. O pecado nasce porque o fiel se afasta de Deus e, aproximando-se de uma divindade afro-brasileira, foge do circuito da dádiva. Configura fraqueza pessoal, infidelidade a Deus e à igreja.
Nada mais tem a ver com a ideia judaico-cristã do pecado original. Não se resolve naquela mácula, naquela ofensa, que somente poderia ser lavada pela graça de Deus e pela morte de Jesus, mas sempre requerendo a anuência do pecador.
Se resulta de uma fraqueza, desaparece quando o crente se fortalece, graças ao trabalho de purificação exercido pelo sacerdote. O fiel fraquejou na sua fidelidade, cedeu ao Diabo cheio de artimanhas e precisa de um mediador que, em nome de Deus, combata o Demônio. O exorcismo é descarrego, batalha entre duas potências que termina com a vitória do bem e a purificação do fiel.

Paganismo

Compreende-se, então, a função social do combate ao candomblé: traduz um antigo ritual cristão numa linguagem pagã. Os pastores dão pouca importância ao conhecimento das Escrituras, servem-se delas como relicário de exemplos. Importa-lhes mostrar que o Diabo, embora tenha sido criado por Deus, depois de sua queda se levanta como potência contra Deus e, para cumprir essa missão, trata de fazer o mal aos seres humanos.
O mal nasce do mal, ao contrário do ensinamento judeu-cristão que o localiza nas fissuras do livre-arbítrio. Adão e Eva são expulsos do Paraíso porque comeram o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e assim se tornam pecadores, porque agora são capazes de discriminar os termos dessa bipolaridade moral.
Essa teologia pentecostal se aproxima, então, do maniqueísmo. Como sabemos, o sacerdote persa Mani (também conhecido por Maniqueu), ativo no século 3º, pregava a existência de duas divindades igualmente poderosas, a benigna e a maligna. Isso porque o mal somente poderia ter origem no mal. A nova teologia pentecostal empresta o mesmo valor aos dois princípios e, assim, ressuscita a heresia maniqueísta, misturando o cristianismo com a teologia pagã.

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais!.


Para não viver em vão.

Ricardo Gondim.

Clint Eastwood produz e dirige filmes densos, especialmente os que lidam com o abuso de crianças. Gostei da trama de “A Troca” (“Changeling”), baseado em fatos reais. Um garoto desaparece enquanto a mãe, divorciada, trabalha algumas horas extras no sábado. Para encontrar o filho, Christine, personagem encenada por Angelina Jolie, precisa enfrentar sozinha a corrupta máquina policial de Los Angeles e ainda tem de manter o emprego, apesar da solidão e do desespero pelo sumiço do menino. O pastor presbiteriano Rev. Gustav Briegleb (John Malkovich), que lutava contra a violência policial, se une a Christine em sua luta contra a politização do Xerife que deveria cuidar da segurança pública. A militância de Briegleb é ética, corajosa e persistente. No final, enquanto projetavam as explicações finais sobre os desdobramentos do que aconteceu no filme, desabafei: “Quando crescer, quero ser igual a esse pastor”. O ministério de Briegleb desencadeou mudanças profundas nas leis da cidade. A obstinação de um homem salvou a vida de milhões de pessoas que ainda nem tinham nascido.Fui ordenado ao ministério em 1977. Desde então, trabalho com evangelização, missões urbanas e plantação de igrejas. Preguei milhares de sermões, participei de centenas de congressos, mesas-redondas e seminários. Comparo-me ao que Jesus disse aos primeiros discípulos: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça” (Jo 15.16). Conto os anos de ministério, vejo que o meu futuro é mais curto que o passado e me pergunto: “Qual a pertinência do meu esforço? O fruto do meu ministério permanecerá?”.Não pretendo terminar os dias desempenhando as funções sacerdotais como mero sacerdote que batiza, celebra ritos de passagem e enterra os mortos. Não almejo acomodar-me à função de xamã. Não tolero o papel de “baby-sitter” de crentes burgueses, sempre ávidos por bênçãos.É possível encontrar muitos cristãos em movimentos populares que reivindicam reforma agrária. Porém os pastores, com certeza ocupados com a máquina religiosa, não dispõem de tempo para se aliarem aos oprimidos pela burocracia estatal, que perpetua a injustiça. Poucos se atrevem a sair do conforto das catedrais para defender o meio ambiente. Como pastor pentecostal, inquieto-me com o massacre da teologia da prosperidade, que ocupa a maior parte do culto com promessas de bênção. Não gosto de ver a instrumentalização de quase todo esforço missionário para fazer proselitismo, em nome de uma evangelização. Pastores semelhantes a mim vivem a responder a questiúnculas sobre doutrina, a legislar sobre moralismos e a apagar fogo de contendas entre os membros de suas comunidades. O discipulado desaparece na catequese que tenta adequar as pessoas às demandas religiosas. O resultado é trágico e o testemunho cristão, pífio.Por todos os lados pipocam sinais de que os evangélicos começam a repensar a teologia fundamentalista que lhes serviu de suporte. Agora urge fazer o dever de casa com a eclesiologia. O significado de ser igreja em áreas cosmopolitas tem de ser mais bem avaliado. Os paradigmas atuais sufocam o surgimento entre os evangélicos de gente como Martin Luther King ou Dorothy Stang.Caso não mexamos com os conceitos fundamentais da teologia da missão, continuaremos repetindo fórmulas desgastadas. Resgatar pessoas do inferno, garantir o céu, mas esquecer a “plenitude da vida” diminui brutalmente o mandato cristão. O tempo gasto das pessoas, os recursos financeiros aplicados, a mobilização de talentos, não podem ser desperdiçados. A função da igreja é também resgatar vidas, proteger os indefesos da burocracia estatal, da opressão do mercado e até da frieza eclesiástica. Como cuidei basicamente de igrejas urbanas, lamento o tempo perdido com a máquina religiosa. Fui absorvido por programações irrelevantes. Defendi teologias desconexas da existência. Fiz promessas irreais. Discuti ideias estéreis. Corri em busca de glórias diminutas. O tempo é uma riqueza não renovável, portanto, resta-me lamentar tanto esforço para tão pouco resultado. Entreguei-me de corpo e alma à oração, fiz vigílias, jejuei. Ralei os joelhos em busca de uma espiritualidade eficiente. Acreditei piamente que a maturidade humana aconteceria pelo caminho da piedade religiosa. Ledo engano. Muitos companheiros de oração se levantaram ferozmente contra mim. O mundo passa por mudanças radicais e as igrejas, se quiserem ser relevantes, precisam repensar seu papel na sociedade. Se não quiserem sucumbir à tentação de serem meros prestadores de serviços religiosos, os pastores precisam abrir mão de egolatrias tolas como o fascínio por títulos. É tolice brincar de importante usando o nome de Deus. O descrédito do cristianismo ocidental se tornou agudo nos últimos 20 anos. Urge que os pastores revejam os seus sermões e se questionem se pregam conceitos relevantes em uma sociedade profundamente injusta, cruel e opressiva. Não fazer nada custará muito à próxima geração. Mais jovens se fatigarão prematuramente. E os idosos morrerão com o gosto amargo de terem gastado a vida em vão. O que seria muito triste.


“Soli Deo Gloria”.


• Ricardo Gondim é pastor da Assembleia de Deus Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de, entre outros, Eu Creio, mas Tenho Dúvidas. http://www.ricardogondim.com.br/




O mais importante é a igreja.


Robinson Cavalcanti.

A Igreja é o que de mais importante existe no mundo. Criada pela vontade de Cristo, ela é a agência da salvação, ensaio e vanguarda da nova humanidade. Deus havia chamado Israel (obediente “versus” desobediente), e no passado nos falou pelos profetas, guardiões da lei. A função e o “status” de Israel -- a antiga aliança -- cessaram quando o véu do templo se rasgou. Hoje o judaísmo e o islamismo são apenas religiões semíticas monoteístas. A Igreja é o novo Israel, a nova aliança, e, como nos ensina Pedro, herdeira dos títulos e atributos do primeiro Israel: geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de Deus. Entre o antigo e o atual Estado secular de Israel (formado por 90% de ateus e agnósticos) só há em comum a geografia e as mirabolantes teorias de alguns protestantes. Os judeus (e todos os povos) devem ser enxertados no novo povo, porque não há salvação em nenhum outro nome senão o de Jesus.A crise da Igreja é resultado da sua baixa autoestima, da falta de autocompreensão e conhecimento não somente sobre sua missão, mas também sobre sua natureza e organização -- uma crise de identidade em razão de uma ruptura com sua história, suas raízes. Como povo-instituição de Deus, a Igreja é mais importante do que a família biológica ou adotiva, do que o mundo do trabalho e do lazer, do que o Estado ou qualquer expressão da sociedade civil. Ela é portadora única do sentido para as demais coisas -- o evangelho e o poder do Espírito Santo -- e é nela onde se convive não somente para o tempo, mas para a eternidade. A Igreja não é apenas suas expressões localizadas: as comunidades locais, as tabas religiosas com seus caciques ou as casas de shows para expressão das fogueiras da vaidade. A igreja vive hoje em pecado porque desobedece aos dois princípios basilares a ela destinados pelo seu fundador e Senhor: a unidade e a verdade. O cisma (divisão do corpo) deixou de ser considerado um grave pecado pelo desordenado denominacionalismo; a heresia deixou de ser considerado um grave pecado pela crescente e ilimitada “diversidade” e “inclusividade”. Os cismas são heresias, e as heresias são cismas. Essa tragédia se transformou em rotina ante a indiferença de todos.“Denominação” é uma palavra que não se encontra nas Sagradas Escrituras nem na obra de nenhum autor relevante da história do pensamento cristão antes do século 18. Não é um termo teológico, eclesiológico, mas apenas sociológico, administrativo, jurídico, humano, corrente nos últimos duzentos anos a partir da realidade da “livre empresa” e do “‘self-service’ religioso” norte-americano. Quando a Igreja una, santa, católica, apostólica e reformada dá lugar a uma miríade de “denominações” ou “ministérios”, o evangelho é parcializado, a missão é mutilada e vivemos na carne, por mais piedoso e espiritualizado que seja o nosso discurso. Afirmar que “Deus me mandou criar um novo ministério” é uma blasfêmia.A Reforma Protestante foi um dos capítulos mais importantes da história da Igreja, mas o seu desdobramento em correntes extremadas fez com que o bebê fosse jogado fora junto com a água do banho. Ela preocupou-se com a autoridade (das Escrituras) e com a salvação (pela graça mediante a fé em Jesus) e se descuidou da eclesiologia, do estudo da própria Igreja. A instituição que deveria garantir a preservação dessas verdades logo foi atropelada pelo racionalismo liberal ou pelo literalismo fundamentalista. O livre exame, de livre acesso e investigação, deu lugar à livre conclusão. Ao contrário da criação, a Igreja se tornou sem forma e vazia. A releitura das Escrituras pela burguesia europeia, 1600 anos depois, fez os congregacionais tomarem o embrião e os presbiterianos tomarem o feto como se já fosse o ser nascido (institucionalizado) -- fato que a história atesta ter acontecido (muito cedo) somente com a consolidação do episcopado. Por sua vez, a pretensão da Igreja de Roma (e de alguns ramos da ortodoxia oriental) de ser “a” Igreja, em uma visão monocêntrica da história, não faz justiça à verdade policêntrica das sés e dos patriarcados deixados pelos apóstolos em diversas regiões. Foi no Oriente que viveu a maioria dos Pais da Igreja e onde aconteceram todos os Concílios da Igreja indivisa (responsáveis pelo consenso dos fiéis); ainda assim, 1.200 anos de história da Igreja no Oriente (períodos bizantino, pré-calcedônio, pré-efesiano ou uniata) representam apenas algumas notas de rodapé ou algumas linhas nas obras dos historiadores católicos romanos ou protestantes (“anabatistizados”). Ficamos vulneráveis com essa lacuna, em uma época de desprezo pelo passado e de arrogância individualista e imediatista. A universalidade da Igreja, com a multiforme manifestação da graça de Deus em todo o mundo, é mutilada pela hipervalorização (quase exclusiva) do que nos vem do império do momento. Como foi mesmo a definição do cânon bíblico, das doutrinas dos credos, dos sacramentos e do governo episcopal?


• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política -- teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo -- desafios a uma fé engajada.http://www.dar.org.br/




O que você tem a oferecer?

Disse Pedro: "Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levanta-te e anda”. At 3.6


Depois do Pentecoste, a Igreja primitiva experimentou um expressivo crescimento. Os discípulos, que somavam 120, subiram para três mil em um único dia. Esse crescimento obrigou os apóstolos a redimensionarem toda a estrutura da igreja. Com certeza, as tarefas aumentaram. Então, teriam de se moldar ao novo formato que a Igreja estava alcançado. Algumas coisas me chamam a atenção no texto em referência. Em primeiro lugar, o crescimento não influenciou a vida de oração dos apóstolos. Atitude que precisa ser considerada pela Igreja no Brasil, onde, dificilmente, os líderes participam de reuniões de oração com a igreja. Pelo texto, podemos ver que, embora fosse três horas da tarde de um dia comum, Pedro e João estavam indo ao templo orar com os novos irmãos. Na porta do templo, encontram um mendigo, que lhes pede uma esmola. Imediatamente, Pedro e João dizem àquele homem: “Olha para nós” (v. 4). Esse é o segundo ponto que me chama a atenção. Cada discípulo, por causa do seu relacionamento com o Salvador, deve refletir a Cristo, tornando-se um referencial para aqueles que ainda não servem ao Senhor. Num contexto tão conturbado quanto o nosso, devemos reproduzir a imagem de Cristo, para que os aleijados da vida sejam curados pelo Senhor e nunca mais andem como antes. O terceiro ponto é a inversão de valores que a Igreja vem sofrendo no decorrer desses dois mil anos de cristianismo. Pedro diz ao mendigo: “Não tenho prata nem ouro”. Mas a Igreja brasileira não pode dizer isso e, ao mesmo tempo, ser honesta, pois temos um dos maiores índices de conversões do mundo.

Somos, hoje, o maior país pentecostal. Os nossos templos estão abarrotados de pessoas. Mas, infelizmente, alguns líderes, durante os cultos, passam mais tempo pedindo ofertas do que pregando o evangelho. Muitas igrejas têm aviões, carros importados, rádios e televisões, entre outras coisas. Enfim, somos uma igreja rica, muito rica, por sinal. Mas o problema não é esse. É bom que as igrejas tenham dinheiro para financiar a evangelização. Minha inquietação, porém, está relacionada ao fato de que não estamos cumprindo a segunda parte do texto: “Em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levanta-te e anda”. Não temos problemas financeiros, mas, por outro lado, não curamos os enfermos. A cura a que me refiro é a restauração integral do homem. Hoje, não podemos dizer: “Não temos prata nem ouro” (porque temos.), e muito menos: “Em nome de Jesus, o nazareno, levanta-te e anda” (porque não estamos pregando o evangelho em toda a sua totalidade).

Como discípulos, precisamos analisar as nossas atitudes à luz da Bíblia. Somente assim iremos refletir, tanto na igreja quanto no mundo, aquilo que Jesus espera de nós. Afinal, estamos rodeados de aleijados e mendigos que buscam homens que lhes sirvam de referenciais. Portanto, ao invés de ficarmos lançando apenas pequenas moedas para eles, possamos lhes dizer, tal como Pedro e João: “Olhem para nós”. A Jesus, toda a glória!

Pastor Sezar Cavalcante.

Tensões no culto evangélico brasileiro

Uma das áreas mais polêmicas dentro do Cristianismo é exatamente aquela em que deveria haver mais harmonia e consenso entre os cristãos, ou seja, o culto. Através da sua história, a Igreja Cristã vem se debatendo com disputas, discussões e discordâncias quanto a alguns importantes aspectos relacionados com o serviço divino. E o debate, naturalmente, está presente na igreja evangélica brasileira.
Por exemplo, a questão da organização versus liberdade na liturgia. Até que ponto podemos organizar e estruturar a ordem ou seqüência dos atos de cultos sem que isso tire a espontaneidade dos participantes? Ou mais grave ainda, até que ponto a própria idéia de preparar uma liturgia antecipadamente já não representa uma limitação à liberdade do Espírito de Deus em dirigir o culto como deseja? Igrejas, movimentos e grupos dentro do evangelicalismo brasileiro têm assumido as vezes lados radicalmente opostos nessa questão. De um lado temos liturgias elaboradas milimetricamente, realizadas por ministros paramentados de acordo com o calendário eclesiástico e as estações do ano, exigindo formalidade, seriedade e reverência; de outro, cultos sem qualquer ordem ou seqüência pré-estabelecidos, onde as coisas acontecem ao sabor da inspiração momentânea do dirigente, supostamente debaixo da orientação do Espírito de Deus. Felizmente, onde predomina o bom senso e um desejo de seguir os princípios bíblicos para o culto a Deus, adota-se uma liturgia que procura usar o que há de melhor nos dois esquemas, unindo seriedade reverente com liberdade exultante.
Outra tensão é entre ofício e participação. Quem deve dirigir o culto a Deus? Quem pode participar ativamente na liturgia? Somente aqueles que foram ordenados para isso – pastores e presbíteros? Ou qualquer membro da comunidade? Respostas variadas têm sido dadas a essas questões por diferentes grupos evangélicos no Brasil. Por um lado encontramos igrejas que entendem que apenas aqueles que foram treinados adequadamente e posteriormente autorizados (ordenados) pela igreja é que podem participar ativamente do serviço divino. Outros grupos, como os quacres do passado e alguns movimentos quietistas modernos, rejeitam a própria idéia de ofício e dispensam qualquer ordem ou liderança no culto público. Encontramos nas igrejas evangélicas brasileiras variações desses extremos. Parece-nos claro que o caminho correto é manter no culto a liderança claramente bíblica dos presbíteros e pastores e ao mesmo tempo procurar entre os não-ordenados aqueles que têm dons públicos que possam, após treinamento adequado, participar ativamente da liturgia.
Mais uma tensão: formalismo versus simplicidade. Relacionada com esta vem a tensão entre solenidade e alegria. Esses extremos na verdade não se excluem. São todos elementos do culto bíblico, muito embora em sua história, a Igreja tenha por vezes enfatizado uns em detrimento dos outros. Mais uma vez, a busca pelo equilíbrio bíblico deve marcar a liturgia das igrejas evangélicas.
Mas existe ainda uma tensão – talvez a um nível mais profundo – que representa um sério desafio para a liturgia da Igreja, que é mente versus coração. Ou mais exatamente, qual o lugar da mente no culto? Pode-se cultivar o entendimento e o crescimento intelectual sem perder-se de vista o papel do coração no culto? Um culto só é realmente espiritual se a mente for deixada de lado e o coração envolver-se inteiramente? Muitos grupos evangélicos hoje responderiam sem hesitar que a mente acaba por representar um obstáculo na experiência da verdadeira adoração, e que deve ser deixada de lado para que as emoções fluam livremente. Desse ponto de vista, as partes do culto, e especialmente a pregação, devem facilitar a experiência litúrgica. A pregação acaba por ser relegada a plano secundário, sendo substituída por relatos de experiências pessoais; ou quando é feita, via de regra (há exceções) é uma coleção de casos, exemplos e experiências, intermediados aqui e ali por trechos bíblicos nunca expostos e explicados, mas citados como prova.
Mas essa tendência é bem antiga. Paulo teve que corrigir o desequilíbrio litúrgico dos coríntios, com sua ênfase na participação, uso dos dons, liberdade e pouca atenção à instrução e o uso da mente. Modernamente, percebe-se sem muito esforço a tendência de se enfatizar participação, louvor, testemunhos, dramas e corais, em detrimento da pregação da Palavra durante os cultos dominicais de muitas igrejas.
É essa última tensão que tem questionado com mais radicalidade a natureza, necessidade e propósito da pregação nos cultos. O que nos parece fundamental neste assunto é que, desde o início, Deus usou a pregação expositiva de sua Palavra como veículo de revelação da Sua vontade ao Seu povo; e que portanto, a pregação nunca deve ser relegada a plano secundário no culto, mas deve sempre ocupar lugar central de destaque.
Estas são algumas das tensões na igreja evangélica brasileira quanto ao culto. Nem sempre elas têm sido bem resolvidas. Provavelmente, o caminho para um culto que seja bíblico e brasileiro tenha de passar pelas seguintes vertentes:
1) Empregar o princípio de que devemos manter no culto somente aqueles elementos que possam, de forma direta ou indireta, encontrar respaldo nas Escrituras do Novo Testamento. De outra forma, desprovida de referencial, a igreja brasileira não terá como impedir a avalanche de inovações no culto, algumas bem intencionadas porém apócrifas, e outras inspiradas até em práticas das religiões afro-brasileiras.
2) Reconhecer que há circunstâncias do culto que não estão necessariamente definidas, proibidas, ou ordenadas nas Escrituras, e que podem ser adotadas à critério das igrejas, respeitada a história, a tradição, a cultura e especialmente o bom senso.
3) A busca do equilíbrio nas tensões mencionadas acima, reconhecendo que qualquer dos extremos citados termina prejudicando o culto, por reduzi-lo e privá-lo da plenitude desejada por Deus.
O culto é certamente um dos aspectos mais centrais da vida das igrejas evangélicas, pois nele deságuam as doutrinas, as crenças, as práticas, as tensões e a vida espiritual das comunidades. Uma igreja é aquilo que seu culto é. Como parte da sua reflexão e reforma, a igreja evangélica brasileira deveria enfocar mais este assunto.

Augustus Nicodemus Lopes é paraibano e pastor presbiteriano. É bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de Potchefstroom (África do Sul) e doutor em Interpretação Bíblica pelo Westminster Theological Seminary (EUA), com estudos no Seminário Reformado de Kampen (Holanda). Foi professor e diretor do Seminário Presbiteriano do Norte (1985-1991), professor de exegese do Seminário JMC em São Paulo, professor de Novo Testamento do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (1995-2001), pastor da Primeira Igreja Presbiteriana do Recife (1989-1991) e pastor da Igreja Evangélica Suiça de São Paulo (1995-2001). Atualmente é chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. É autor de vários livros, entre eles O Que Você Precisa Saber Sobre Batalha Espiritual (CEP), O Culto Espíritual (CEP), A Bíblia e Sua Familia (CEP) e A Bíblia e Seus Intérpretes (CEP). É casado com Minka Schalkwijk e tem quatro filhos – Hendrika, Samuel, David e Anna.

O papa comete um erro após o outro.

O padre Hans Küng, 80 anos, é um dos maiores teólogos da atualidade e uma referência mundial em religião. Amigo do papa Bento XVI dos tempos da faculdade, o religioso suíço foi responsável pela indicação dele à cátedra da Universidade de Tübingen, na Alemanha, nos anos 60. Consultor do Concílio Vaticano II (1962-1965), que modernizou a Igreja, ele surpreendeu o mundo em 1970 com a obra Unfehlbar? Eine Anfrage (Infalibilidade? Um inquérito), em que questionou a infalibilidade papal, colocando em xeque o dogma de que o papa está sempre correto quando delibera sobre questões de fé ou moral. O livro gerou polêmica no Vaticano e o professor ficou proibido de ensinar a matéria em nome da Igreja. Küng e Bento XVI tomaram rumos opostos, ficaram afastados por quase quatro décadas e se reencontraram em 2005 para discutir o futuro do catolicismo. “Deixamos de lado os temas controversos da reforma na Igreja, porque temos opiniões opostas”, diz Küng.“Mas temos pensamentos semelhantes quanto à relação entre a fé cristã e a ciência, especialmente a biologia e o pensamento evolucionista.” Com mais de 25 livros traduzidos em dez idiomas, Küng atua no movimento ecumênico desde 1993 e é presidente do Weltethos, instituição voltada para o diálogo interreligioso.

ISTOÉ – O sr. acompanhou seis pontificados. Acha que a Igreja Católica mudou com o mundo?
Hans Küng – Sem dúvida a Igreja Católica mudou muito nas últimas décadas. Claro que as mudanças mais importantes vieram após o Concílio Vaticano II (de 1962 a 1965). No entanto, há um retrocesso. Eu esperava que o papa Bento XVI proferisse um grande discurso e orações focados nas paróquias e arquidioceses que convocaram o Concílio Vaticano II há 50 anos e que ele valorizasse nas suas orações as grandes conquistas do movimento de renovação. Mas, infelizmente, ele fez exatamente o oposto.

ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre a recente decisão do papa em reintegrar ao Vaticano bispos ultraconservadores excomungados, como Richard Williamson, que negou a existência do Holocausto e das câmaras de gás?
Küng – Até mesmo os bispos próximos ao papa concordam que foi uma péssima decisão. Penso que, mesmo como papa, ele não deveria ir contra as decisões do Concílio Vaticano II. Faria melhor se indicasse bispos mais inovadores e críticos, ao contrário daqueles que são ligados ao Opus Dei e a posturas conservadoras. Além da nomeação dos quatro da Fraternidade Pio X, ele nomeou no dia 31 de janeiro o ultraconservador Gerhard Maria Wagner, como arcebispo de Linz, na Áustria. Mais uma reafirmação da tendência tradicionalista.
"Aqueles que o seguiram (João XXIII) não foram construtivos. João Paulo II bloqueou reformas, o ecumenismo e o diálogo entre as Igrejas”

ISTOÉ – Quem foi o grande papa do século XX?
Küng – João XXIII (1958 – 1963), dos primeiros anos do Concílio Vaticano II. Infelizmente, aqueles que o seguiram não foram igualmente construtivos. João Paulo II bloqueou reformas, o ecumenismo e o diálogo entre as Igrejas. Bento XVI é ainda mais conservador. Segue um curso reacionário, confere espaço para aqueles que pensam como ele. É uma espécie de restauração crescente daquilo que defende. Eu esperava que ele estivesse disposto a atos de coragem, mas ele se tornou cada vez mais radical e se cercou apenas de pessoas pouco críticas e que apenas o seguem. Não possui uma equipe de acadêmicos e bispos questionadores. Comete um erro após o outro e não há nenhum bispo para corrigi-lo. Não gosta de ser contestado.

ISTOÉ – O sr. foi contemporâneo de Bento XVI quando ele era cardeal na Alemanha. Que tipo de relação tiveram?
Küng – Ele é muito inteligente e era o especialista mais jovem em teologia durante o Concílio Vaticano II. Nessa época, tínhamos o mesmo desejo pela renovação da Igreja. Durante três anos, fomos professores de teologia dogmática na Universidade de Tübingen (na Alemanha) e tínhamos ótimas relações, que entraram em choque a partir de 1968. Ele se mudou para a Bavária, se tornou arcebispo de Munique e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Santa Inquisição em Roma. Tornou-se um homem de carreira eclesiástica, defendendo as tradições e distante da renovação. Como papa, confirmou a postura tradicionalista.

ISTOÉ – Acredita que as ideias conservadoras do papa encontram apoio de um público ávido pelo retorno às tradições?
Küng – Claro que há conservadores que pensam como ele, mas as mudanças estão chegando. Neste ano, tivemos provas da atmosfera de renovação que paira no mundo, como a transição de Bush para Obama. O papa era amigo de Bush e até celebrou o seu aniversário com ele, na Casa Branca. Uniuse ao presidente nas campanhas contra o controle de natalidade, a contracepção, o aborto, as reformas e liberdades civis. Agora, os americanos têm um novo presidente, disposto a corrigir todos os erros terríveis que o seu antecessor cometeu. Assim como os americanos que elegeram Obama, o papa também deveria optar pela renovação, até porque está bem óbvio que a sua tentativa de restauração foi malsucedida.

ISTOÉ – O que pensa dos teólogos da América Latina?
Küng – Conheço a maioria dos teólogos ligados à Teologia da Libertação, principalmente o peruano Gustavo Gutierrez, fundador do movimento. Mas, particularmente, gosto muito de Leonardo Boff e de outros da mesma linha.
Eles tiveram uma influência muito positiva sobre os brasileiros em situação de pobreza. Fiquei muito triste quando Bento XVI, então cardeal no Vaticano, fez tudo para eliminar a Teologia da Libertação e quando o papa João Paulo II nomeou bispos que são, hoje, inimigos do movimento. Naquele tempo, havia grandes cardeais no Brasil e na América Latina, como dom Aloísio Lorscheider. Hoje, infelizmente, o papa nomeia bispos que são favoráveis ao Opus Dei e a movimentos conservadores. Estes grupos, definitivamente, não estão interessados em resolver a situação de pobreza da América Latina.

ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre as punições que Leonardo Boff sofreu durante o pontificado de João Paulo II?
Küng – Foi semelhante à Inquisição. Não houve um processo, foi contra os direitos humanos. Ele simplesmente foi condenado. Ninguém nunca entendeu direito o porquê. Com as críticas, naturalmente, ele se posicionou contra as doutrinas da Igreja e o poder dela. Depois disso, foi sumariamente excomungado. Felizmente, ele sobreviveu a tudo aquilo e ainda está em atividade. Acredito que se Bento XVI quer uma reconciliação com os bispos cismáticos seria melhor se, antes de tudo, ele se reconciliasse com os teólogos, especialmente aqueles da América Latina, que são os que seguem os fundamentos do Concílio Vaticano II.

ISTOÉ – No Brasil, há um forte crescimento das igrejas evangélicas. O que a Igreja Católica, como instituição, deve aprender com os evangélicos para manter ou aumentar o número de fiéis?
Küng – Ao contrário dos evangélicos, não acredito que falte dinheiro para os católicos. Mas acredito que eles poderiam aprender a usar melhor o dinheiro que têm. Acho que a Igreja Católica, assim como a evangélica, deveria admitir homens casados no sacerdócio, para reverter o esvaziamento dos seminários. Nas igrejas evangélicas há um contato mais próximo entre as pessoas da comunidade religiosa, inclusive com fortes laços de amizade e de ajuda mútua. É isto que está faltando na Igreja Católica. Além disso, a liturgia católica muitas vezes é chata e faz as pessoas desistirem das missas. Os sermões também não são de grande ajuda na vida prática. Por isso, muitas pessoas preferem se concentrar em pequenas aglomerações de fé cristã do que nas paróquias, que têm muita hierarquia e pouca vida em nível local.

ISTOÉ – O número de sacerdotes está em queda. Um padre no Brasil chega a ser responsável por 20 paróquias. Como combater a crise de vocações?
Küng – Sem dúvida, deve-se abolir a lei do celibato e permitir a ordenação das mulheres. O celibato é uma regra ultrapassada, da Idade Média, com base no primeiro milênio do cristianismo. No século XI, os papas estabeleceram a regra como lei universal a todos os cristãos. Este clericalismo foi, inclusive, uma das causas para a divisão entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente. Acredito que já está em tempo de abolir a exigência, até porque vai contra a liturgia cristã e a teoria do Novo Testamento, que não diz em nenhum momento que padres e bispos não podem ter uma mulher ou esposa. Além de ir contra os direitos humanos, que asseguram a todos o direito ao casamento. Quanto à ordenação, a Igreja precisa considerar que as mulheres tiveram um grande papel na história de Jesus e estão muito presentes nos atos do Evangelho. Além da sua grande participação nas comunidades cristãs. No Evangelho, São Paulo fala sobre uma apóstola chamada Junia, muito atuante entre eles. Com o tempo, a Igreja foi se tornando cada vez mais masculina e patriarcal. Isso deve ser corrigido. A mudança é necessária.
ISTOÉ – A Igreja Católica é contra a pesquisa com células-tronco. O que o sr. pensa sobre isso?
Küng – Deve haver razoabilidade para analisar as pesquisas com célulastronco. Por um lado, o ovo fertilizado já é uma vida humana. Por outro lado, não é ainda uma pessoa humana. Sigo a doutrina que diz que devemos estabelecer uma distinção entre vida humana e a pessoa humana. Devemos ser muito prudentes nas pesquisas com células-tronco, mas não devemos proibi-las completamente.

ISTOÉ – Pesquisas recentes revelaram que quanto maior o nível de inteligência, menor a fé ou espiritualidade. Fé e inteligência são compatíveis?
Küng – Não acredito nestes critérios de QI, que tentam medir a inteligência das pessoas e fazer comparações deste tipo. Acredito que são critérios burros e limitados. Não há nenhuma contradição entre fé e inteligência. Posso ser um exemplo. Tenho muita fé e acredito que tenho alguma inteligência (risos).

Revista Isto É - por Carina Rabelo - 13/02/2009.

Escrevendo a Bíblia

Cerca de 500 mil pessoas estão copiando à mão 29 exemplares do Livro Sagrado, que serão expostos em bibliotecas públicasAdriana Prado
PASSADO O projeto vai na contramão da sociedade moderna: "Muitas vezes as pessoas querem a simplicidade", diz Walter Eidam, da Sociedade Bíblica do Brasil
" A senhora gostaria de escrever a Bíblia?" A aposentada carioca Esther Marques Monteiro, 83 anos, comprava um presente para uma amiga quando foi surpreendida pela inusitada proposta. O convite foi feito por um funcionário do Centro Cultural da Bíblia, no Rio de Janeiro, onde está instalado um scriptorium da Bíblia Manuscrita, projeto da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Esther topou e acabou sendo "presenteada", como faz questão de ressaltar, com a responsabilidade de escrever um livro inteiro do Antigo Testamento, o Primeiro Reis. Isso porque sua letra foi considerada muito bonita. Entre uma atividade e outra, Esther, que também é bibliotecária voluntária da Igreja Evangélica Fluminense, conseguiu copiar toda a obra em cerca de um mês. E sem muitos erros. "Tinha que ficar calculando o que caberia em cada linha, porque não é permitido separar as sílabas das palavras na troca de linhas. Fica feio", conta. "Me senti privilegiada, porque compreendi o que estava escrito de outra forma, mesmo já tendo lido a Bíblia mais de uma vez", acrescenta. Mas por que alguém reescreveria o Livro Sagrado artesanalmente?
A iniciativa é para comemorar os 60 anos da SBB, mas o objetivo é despertar a atenção de quem não é leitor da Bíblia. Com a ajuda de voluntários de todo o País - ao todo, são 500 mil copistas -, serão feitas 29 cópias artesanais do Livro Sagrado. Depois, serão doadas a bibliotecas públicas estaduais e ficarão em exposição permanente. O resultado final será curioso: um livrão com diversas caligrafias recontando as Escrituras Sagradas. Cada pessoa transcreve, em média, dois versículos. Para evitar repetições ou omissões, a transcrição dos copistas é sempre acompanhada por um orientador. Errinhos de escrita são resolvidos com o bom e velho corretivo. Bem artesanal mesmo. E o papel e a caneta são especiais e padronizados.
"Não é permitido separar as sílabas das palavras na troca de linhas. Fica feio" Esther Monteiro (ao lado), copista do livro Primeiro Reis do Antigo Testamento
Dez Estados, entre eles Rio Grande do Sul e Alagoas, já finalizaram seus livros. A maioria, como Rio e São Paulo, ainda aceita a colaboração de interessados. Qualquer pessoa pode participar. Não precisa ter letra bonita - apenas legível. Mas não é permitido escolher o trecho que quer escrever. A fim de facilitar o trabalho, em cada Estado a entidade distribui os livros da Bíblia entre instituições parceiras, normalmente igrejas. O voluntário segue o versículo no qual seu antecessor parou. "Tenho testemunhos de pessoas que não conseguiram copiar, porque os versículos tocavam em pontos muito sensíveis da vida delas. Eu também fiquei muito emocionada, meu coração acelerou", diz a economista cuiabana Daniela Matteucci, 34 anos. Frequentadora da igreja Assembleia de Deus há 11 anos, ela incentivou a família toda a contribuir.
Na casa do músico baiano Élder Bugha, 23 anos, foi diferente. Filho de pais católicos, ele foi o único da família a transcrever três versículos do livro Primeiro Reis: "Mas eles me apoiaram, até porque é uma bênção colaborar em um manuscrito que vai ficar para as próximas gerações." De fato, há uma preocupação em fazer algo histórico. "Ao promovermos a participação das pessoas, mostramos como a Bíblia foi preservada ao longo de muitos anos, antes da invenção da imprensa. Esse esforço de preservação mostra como é grande o valor das Escrituras", explica o pastor luterano Rudi Zimmer, diretor-executivo da SBB. Além de reescrever um trecho das Escrituras Sagradas, os voluntários são convidados a fazer uma doação em dinheiro e essa arrecadação vai bancar o projeto da Bíblia protestante em braile. O valor sugerido é de R$ 1 por versículo copiado, mas muita gente dá mais. A versão do Livro Sagrado para cegos tem 38 volumes, e a católica, 45. Cada um deles custa em média R$ 40.
Uma das fontes de renda da Sociedade Bíblica do Brasil é o parque gráfico, um dos maiores do mundo na produção de Bíblias - que rende aproximadamente R$ 70 milhões por ano. Ali são impressos, anualmente, cerca de oito milhões de exemplares do Livro Sagrado, parte deles exportada para 102 países. Fundada em 1948, a SBB não tem fins lucrativos: reinveste seu faturamento na própria gráfica e também em projetos sociais. A entidade é administrada por cristãos, muitos deles líderes de igrejas protestantes e evangélicas com MBAs no currículo.
As Bíblias manuscritas ficarão prontas até o fim do ano. Uma vez encadernadas, estarão à disposição de quem quiser ler nas bibliotecas. Espera-se que desperte a atenção justamente por estar na contramão da sociedade moderna, adepta da tecnologia. "Muitas vezes, as pessoas só querem um abraço, a simplicidade. Também precisamos nos preocupar com a condição espiritual delas", afirma Walter Eidam, secretário regional da SBB no Sul do Brasil. Segundo ele, a Bíblia artesanal representa, também, a proposta de um mundo em que o esforço coletivo se sobreponha aos interesses individuais.
Revista Isto É - por Adriana Prado - 13/02/2009.